Processo de Insolvência Internacional

Processo de Insolvência Internacional e exoneração do passivo restante

Processo de Insolvência Internacional e Exoneração do Passivo Restante: Aplicabilidade do Regime em Situações Fora da União Europeia.

Um processo de insolvência internacional ocorre sempre que os elementos da situação de insolvência ultrapassam as fronteiras de um único Estado. Por exemplo, quando uma empresa ou pessoa singular possui bens, credores ou actividade em mais de um país, ou quando se pretende ver reconhecida a eficácia de uma decisão de insolvência proferida num Estado perante autoridades e credores de outros Estados.

O Processo de Insolvência Internacional é, por isso, um domínio jurídico complexo e em constante evolução, que exige uma actuação estratégica e um conhecimento aprofundado da legislação nacional e internacional aplicável.

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Jurisprudência acerca da competência dos tribunais nos processos de insolvência internacional

No Acórdão da Relação de Lisboa de 09/01/2023 (Processo n.º 2943/22.1T8FNC-B.L1-1), foi analisada a admissibilidade do pedido de exoneração do passivo restante num processo de insolvência instaurado em Portugal por devedora residente no Reino Unido, fora do âmbito da União Europeia.

O tribunal confirmou a competência internacional dos tribunais portugueses, com base nos artigos 59.º e 62.º do CPC, considerando que a requerente tem bens em território nacional (nomeadamente uma quota em herança com imóveis em Portugal) e que o único credor também está sediado em Portugal.

Contudo, o tribunal de 1.ª instância indeferiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, com fundamento no artigo 295.º, alínea c), do CIRE, que prevê a inaplicabilidade desse benefício em processos particulares de insolvência — ou seja, quando o devedor não tem em Portugal domicílio, sede ou centro de interesses principais, e o processo se limita aos bens situados em território nacional.

A Relação de Lisboa discordou dessa interpretação e revogou a decisão, permitindo que o pedido de exoneração siga os seus trâmites. O tribunal entendeu que:

  • O art. 295.º do CIRE, que estabelece as especialidades do processo particular de insolvência, só se aplica em situações transfronteiriças ou internacionais que envolvam Estados-Membros da União Europeia, em articulação com o Regulamento (UE) n.º 2015/848 e a Diretiva (UE) 2019/1023;
  • Como o Reino Unido não integra a União Europeia e não há convenção internacional aplicável com Portugal, o regime do artigo 295.º não se aplica;
  • Recusar liminarmente o acesso ao benefício da exoneração do passivo restante apenas com base na residência fora da União Europeia viola o princípio da igualdade no acesso ao direito ao perdão de dívidas, previsto no artigo 13.º da Constituição;
  • A exoneração do passivo restante não deve ser afastada automaticamente, devendo ser avaliada conforme os critérios gerais do CIRE (artigos 235.º a 248.º), mesmo em processo com âmbito territorial limitado.

O acórdão cita ainda doutrina relevante (Carvalho Fernandes, Labareda, Meneses Leitão) e jurisprudência anterior, nomeadamente da Relação de Coimbra (2020), para fundamentar que o regime do art. 295.º do CIRE só deve aplicar-se quando o processo se enquadra no regulamento europeu, e não quando se trata de situações com países terceiros (extra-UE).


Apesar da fundamentação do acórdão da Relação de Lisboa ser sistemática e orientada para a proteção do princípio da igualdade, parte da doutrina considera pouco convincente a exclusão da aplicação do artigo 295.º, al. c), do CIRE fora do contexto da União Europeia. Segundo essa crítica, o artigo 275.º do CIRE prevê precisamente que as normas sobre processos particulares de insolvência, como o artigo 295.º, aplicam-se quando o Regulamento europeu não se aplica, e não apenas quando se aplica.

Por conseguinte, o regime do artigo 295.º deveria aplicar-se a situações como a dos autos, levando a concluir que não pode ser concedida a exoneração do passivo restante em processo particular de insolvência, mesmo quando este ocorre entre Portugal e um Estado terceiro.

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