Penhora de crédito em posse de terceiro. A penhora de crédito é uma das formas mais eficazes de garantir a cobrança judicial de dívidas quando o devedor não tem bens em nome próprio ou quando o credor pretende atingir diretamente os valores que lhe são devidos.
Em muitos casos, o crédito do devedor encontra-se nas mãos de terceiros — pessoas ou entidades que devem pagar ao executado — e é aí que entra em jogo a execução para pagamento de quantia certa com penhora em posse de terceiro.
Neste artigo explicamos de forma clara o que é a penhora de crédito, como funciona quando o crédito está na posse de um terceiro, que implicações tem para todas as partes envolvidas e quais os passos legais que devem ser seguidos para que esta penhora produza efeitos.
O que é a penhora de crédito?
A penhora de crédito consiste na apreensão judicial de valores que o devedor tem a receber, com o objetivo de assegurar o pagamento da dívida exequenda. Em vez de se penhorar bens materiais (como carros ou imóveis), o tribunal apreende o direito de crédito que o executado tem sobre um terceiro.
Exemplo típico: uma empresa executada tem uma fatura pendente a receber de um cliente (terceiro). O tribunal pode penhorar esse crédito, obrigando o cliente a pagar diretamente ao exequente (credor que moveu a execução).
Quando se aplica a penhora de crédito em posse de terceiro?
Aplica-se quando:
- O executado tem créditos sobre terceiros (clientes, arrendatários, seguradoras, etc.);
- Esses créditos são identificáveis e passíveis de penhora;
- O exequente pretende atingir esse crédito como forma de pagamento da dívida em execução.
A figura legal está regulada nos artigos 780.º a 782.º do Código de Processo Civil (CPC).
Como funciona na prática?
- Identificação do crédito:
O exequente identifica um crédito do executado que esteja na posse de um terceiro (ex: uma empresa que deve pagar ao executado). - Pedido ao tribunal:
O exequente requer ao juiz a penhora do crédito, indicando quem é o terceiro devedor e apresentando os elementos necessários (ex: contrato, fatura, comunicação escrita). - Notificação ao terceiro:
O tribunal notifica o terceiro para que declare se reconhece o crédito, qual o valor em dívida e se está disposto a pagar diretamente ao processo. - Resposta do terceiro:
O terceiro pode:- Confirmar o crédito e pagar no processo;
- Contestar, alegando que nada deve ao executado;
- Manter-se em silêncio (presumindo-se, nalguns casos, o reconhecimento tácito).
- Pagamento direto ou condenação:
Se o crédito for reconhecido, o terceiro é notificado a pagar diretamente ao tribunal. Caso se recuse, pode ser condenado judicialmente como devedor.
Base legal da penhora de crédito
A penhora de crédito está prevista no artigo 780.º do CPC, que dispõe:
“Se a penhora tiver por objeto crédito do executado sobre terceiro, será este notificado para declarar se o reconhece, qual o seu montante e se está disposto a pagar ao exequente.”
Além disso, o artigo 781.º prevê que, se o terceiro reconhecer a dívida, o juiz ordena o pagamento direto no processo executivo. Se houver dúvidas ou oposição, pode ser instaurado um incidente de verificação de crédito, em que o terceiro é tratado como parte acessória.
Obrigações do terceiro notificado
O terceiro tem deveres legais específicos:
- Responder no prazo legal (normalmente 10 dias);
- Abster-se de pagar ao executado após notificação da penhora;
- Pagar diretamente ao processo, se reconhecer o crédito.
Se violar estes deveres, o terceiro pode ser responsabilizado judicialmente. Como refere a jurisprudência, nomeadamente o Acórdão do TRP de 13/10/2022, a notificação da penhora tem força bastante para impedir o pagamento ao executado, sob pena de responsabilidade civil e patrimonial do terceiro.
Penhora de créditos futuros ou sujeitos a condição
É possível penhorar créditos ainda não vencidos ou sujeitos a condição. Por exemplo:
- Rendimentos de aluguer a receber nos meses seguintes;
- Indemnizações de seguro em fase de processamento;
- Pagamentos condicionados a facturação ou prestação de serviço.
Nestes casos, a penhora mantém-se válida até à data de vencimento do crédito.
Vantagens da penhora de crédito
A penhora de crédito tem diversas vantagens práticas:
- Permite atingir valores fora do controlo direto do devedor;
- Evita a alienação forçada de bens físicos;
- É mais rápida e eficaz do que a penhora de imóveis;
- Responsabiliza terceiros que têm dívidas ao executado.
Exemplos práticos de penhora de crédito
- Uma empresa em incumprimento tem uma dívida ativa com o Estado – o tribunal penhora esse valor para pagar salários em atraso.
- Um particular executado tem direito a um prémio de seguro – o montante é penhorado antes do pagamento ao beneficiário.
- Um fiador executado tem faturas a receber de um cliente estrangeiro – a penhora incide sobre essas faturas, com cooperação internacional.
Cuidados a ter pelo exequente
Para garantir uma penhora eficaz, o exequente deve:
- Obter documentos que provem a existência do crédito (contrato, faturas, comunicações);
- Identificar corretamente o terceiro (nome, NIF, morada);
- Estar atento a prazos para impugnações ou respostas do terceiro;
- Avaliar a solvabilidade do terceiro antes de avançar.
A penhora de crédito é uma ferramenta poderosa e legítima ao dispor dos credores para fazer valer os seus direitos, especialmente quando os bens do executado são escassos ou estão ocultos. Quando bem aplicada, permite atingir diretamente valores que o executado tem a receber, sem necessidade de recorrer à venda de bens.
Contudo, para que o processo decorra com segurança jurídica e eficácia, é essencial contar com o acompanhamento de um advogado especializado em execuções e penhoras, capaz de identificar os créditos exequíveis, instruir o tribunal e fazer cumprir as normas legais.